Full record
Title | A Parole Violenta e a Política: estudo sobre o poder revolucionário da linguagem |
---|---|
Title | Violent Parole and Politics: a study on the revolutionary power of language |
Author | Fernandes, Ana Patrícia Costa |
Contributors | Rosas, João Cardoso; Sylla, Bernhard |
Subject(s) | Humanidades::Filosofia, Ética e Religião |
Abstract | Tese de Doutoramento em Filosofia (Especialidade em Filosofia Social e Política) O presente trabalho tem como objetivo desenvolver uma investigação sobre o poder revolucionário da linguagem. Para esse efeito, partimos dos escritos do filósofo alemão Wilhelm von Humboldt, que, tendo-se dedicado à análise linguística na última fase da sua vida, deixou contributos muito relevantes para o domínio da linguagem. Enquadrando Humboldt naquilo a que Charles Taylor designa como tradição H-H-H, defendemos que o filósofo alemão contribuiu para formular, na transição do século XVIII para o século XIX, aquilo que poderemos designar como a linguistic turn continental, que promove o abandono da filosofia da consciência. O que este novo paradigma linguístico destaca é a relação inextricável entre pensamento e linguagem, na medida em que aquele só acontece fazendo uso desta. Aceitar este pressuposto implica que não existe pensamento pré-linguístico e que a linguagem condiciona, em maior ou menor grau, o modo como pensamos, a partir da sua dimensão enquanto língua materna. Ao contrário do que pretendem os racionalistas e kantianos mais puristas, não há algo como uma razão ou pensamento puro – todo o pensamento é já determinado por uma língua concreta, que é um produto contingente e historicamente determinado. Wilhelm von Humboldt, para além de trabalhar sobre este pressuposto constitutivo da linguagem, analisaa nas suas várias manifestações, conferindo-nos a possibilidade de, a partir da leitura dos seus escritos, encontrar quatro definições da essência da linguagem. Essas quatro definições passam por considerar a linguagem ou como capacidade universal, ou como língua materna, ou como língua falada ou como diálogo. Os nossos esforços centraram-se na terceira daquelas definições, aquilo que designamos, utilizando vocabulário saussuriano e na esteira da investigação que tem sido desenvolvida por Bernhard Sylla, como a definição da linguagem como parole. Considerar a linguagem a partir desta dimensão implica ter em conta os dois elementos da dialética que subjaz à linguagem como parole: por um lado, esta dimensão concebe a língua materna como fonte de opressão na medida em que estabelece a priori as condições de fala do falante (quer em termos de estrutura gramatical, vocabulário que compõe a língua, bagagem histórica que cada conceito carrega, etc.), podendo ser perspetivada, neste sentido, como uma força, um poder que se impõe ao falante – utilizaremos o termo alemão Macht para significar este elemento; por outro lado, o falante, consciente desta força opressora da langue, tenta responder-lhe de forma igualmente violenta, tentando encontrar na própria língua estratégias de resistência, subversão e modificação – e, na medida em que a resposta do falante se reveste de um caráter violento, utilizaremos para o efeito o vocábulo alemão Gewalt. É a partir desta estrutura que defenderemos a possibilidade de delinear uma tradição da parole violenta, composta por vários autores, usualmente considerados como fazendo parte da chamada filosofia continental. Escolhemos para alvo do nosso trabalho o pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger, do autor francês Roland Barthes e do filósofo norte-americano Richard Rorty, consistindo a nossa exposição em modos de justificar a pertença destes autores àquela tradição. Se a exposição apresenta um caráter mais sinóptico no que a Heidegger e Barthes diz respeito, será especialmente aprofundada quanto a Richard Rorty, a quem dedicamos toda a segunda parte. As incursões levadas a cabo à obra destes autores têm um escopo eminentemente político: o objetivo passou por reunir ferramentas de análise que se revelam úteis para, numa terceira parte do nosso trabalho, avançarmos para uma análise da linguagem política. Nesta fase aplicamos a estrutura dialética acima identificada à dimensão discursiva, de acordo com a ideia de que qualquer regime político toma forma a partir de um determinado vocabulário e faz uso dele para se legitimar. Nesse sentido, identificar linguagens políticas ou discursos políticos significa perceber os modos contingentes a partir dos quais se estruturam os diferentes regimes políticos. Com esta ideia em vista e tendo em conta o espaço político do mundo ocidental, identificamos o liberalismo filosófico como a estrutura de pensamento que tem dado forma ao nosso vocabulário público e político desde a revolução francesa. Dentro deste período histórico é possível encontrar diferentes narrativas ou consensos sociais que se foram sucedendo a partir daquele quadro liberal mais geral, como o liberalismo clássico ou o keynesianismo; no entanto, a nossa atenção centrar-se-á no consenso neoliberal mais recente que vem dando forma aos nossos modos de pensamento nas últimas décadas. Atendemos, em especial, às políticas de austeridade que foram adotadas um pouco por toda a Europa depois da transmutação da crise bancária e financeira, iniciada em 2007, em crise das dívidas soberanas. Uma análise do discurso neoliberal, e em particular o discurso que visou legitimar as medidas de austeridade, permite-nos compreender o modo como a linguagem é usada para produzir formas de pensamento e aceitação. Terminamos a nossa análise com o segundo elemento da dialética inicial, que representa o reduto de resistência e liberdade perante aquela força opressora. Exploramos as mais importantes formas de resistência ao discurso do poder ao longo do século XX, mas centramo-nos em particular nas formas de resistência mais recente, que fizeram da ocupação da rua um projeto de ação política. Perante a Macht da langue política, é sempre possível ao indivíduo resistir e tentar formas de libertação, sempre violentas, a partir da língua opressora. É essa capacidade contida na própria língua que constitui o poder revolucionário da linguagem e que permite (permitiu sempre) ao ser humano formular utopias alternativas capazes de envolver as comunidades num sonho coletivo. Contudo, os tempos atuais, de muitas dúvidas e incertezas, levantam a questão de saber se, para lá dos modos de resistência popular, têm surgido novas paroles capazes de avançar com novas utopias políticas. Departing from the writings of Wilhelm von Humboldt, this dissertation advances a study on the revolucionary power of language. Being part of what Charles Taylor named the “triple-H tradition”, Humboldt contributes, with Herder and Hamann, to the so-called continental linguistic turn. This linguistic turn occurs in the transition to the 19th century and opens a new paradigm that withdraws the idea that some kind of pre-linguistic thought exists. Instead it is stated that no thought is possible without language and that language (our first language) determines the way we think. Against the Kantian idea of a pure reason, thought is always determined by a specific language that is contingently and historically constructed. From this idea, Humboldt analyses language in its diferentt manifestations, and it is possible to find in his writings four definitions of language: as a universal capacity, as mother tongue or first language, as spoken language, and as dialogue. My work focuses on the third definition of language that I’ll be calling, using saussarian terms and in the continuity of the work developed by Bernhard Sylla, as parole. Focusing my attention in this definition means considering two elements of the dialectic dynamic that is present in language as parole. On the one hand, first language can be seen as a source of oppression in the sense that determines the conditions that can be used by the individual speaker. It settles the grammatical structure, the available vocabulary, the historical baggage that each word carries, etc. Following Humboldt, I will use the German word Macht to mean this kind of violent power. On the other hand, the individual speaker, aware of the langue’s power, tries to find strategies to resist, subvert and modify the langue itself – always in a violent way. To denote this second violent dimension, I will use the German word Gewalt. By using this structure it is possible to speak of a tradition of violent parole, in which we can locate several authors, mostly from the so-called continental philosophy. I have chosen to work on the thought of Martin Heidegger, Roland Barthes, and Richard Rorty, trying to justify that belonging. By starting from this linguistic point of view, this work has a political orientation and the path travelled with these authors intended to provide analytic tools to avance to an analysis of the political language. In doing so, I consider the idea that every political regime uses a specific language to impose and legitimate itself. With this idea in mind, we can think of the political discourse as a langue that imposes itself to its speakers. To identify and characterize specific political languages means to understand the contingent ways in which political regimes assert themselves. We can aplly this idea to the very scheme of philosophical liberalism that, since the French Revolution, shapes our language and, therefore, our thinking. In this historical period, we can identify different political vocabularies, as the classical liberalism or Keynesianism, but I will consider the neoliberal consensus as the most recent vocabulary that frames our thought, and more specifically, I will consider how the austerity measures were imposed in the last years. An analysis of the neoliberal discourse and of the discourse that has legitimate the austerity measures will allow us to understand how language is used to manufacture ways of thinking and consent. I finish my study with the analysis of the second element of that dialetic structure. This element represents the possibility of resistance and freedom against langue’s oppresion. I explore the most important resistance movements of the 20th century, but I shall focus in the most recent demonstrations that have occupied the street as a way of political action. Against the Macht of the political langue, the individual speaker can always resist and violentally try ways of liberation. It is this capacity of language that constitutes its revolucionary power and this capacity was always used to formulate alternative utopias able to embrace communities in a collective project. However I finish with a specific problem: our current times of incertainty pose the question if, beyond modes of popular resistance, new paroles have come to propose new political utopias. A autora beneficiou do apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, ao abrigo da bolsa de doutoramento SFRH / BD / 80776 / 2011 (QREN - POPH - Tipologia 4.1 - Formação Avançada, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC). |
Date | 2017-07-06 |
Type | http://purl.org/coar/resource_type/c_db06 |
Identifier | http://hdl.handle.net/1822/48626 |
Identifier | 101376235 |
Language | por |
Rights | http://purl.org/coar/access_right/c_abf2 |